Elizabeth: a mulher e a Coroa

setembro 19, 2022

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Com toda pompa e circunstância da tradição britânica, hoje se realiza o funeral da Rainha Elizabeth. Depois de 11 dias de despedidas, ela vai, finalmente, ter seu merecido descanso.

Festejada e reverenciada por todos, sua fama extrapolou as fronteiras do Reino Unido. Elizabeth II, da Inglaterra, acabou se tornando a rainha do mundo.

Os números são expressivos e falam por si: empossou e acompanhou 15 primeiros-ministros ingleses, vivenciou 11 primeiros-ministros canadenses, 10 australianos, 13 neozelandeses, perfazendo um total de 138, durante os 70 anos de reinado. Foi soberana de 32 países, líder de 56 nações, visitou 116 países, ao longo dos seus 96 anos de idade.

Mas, além da representação numérica, impressiona a sua condição humana. A mulher por trás da Coroa. A dualidade e/ou integração entre a pessoa física e a figura pública. Em quase um século de existência, Elizabeth testemunhou eventos históricos, tendo a vida marcada por mudanças e desafios constantes.

Aos 10 anos, seu pai assumiu o trono em meio a uma crise institucional. E ela, ainda na infância, foi alçada à condição de sua herdeira presumida.

Desde então, manifestou um grande senso de dever, forjado durante a segunda Guerra Mundial. Aos 14 anos, fazia seu primeiro pronunciamento público, dirigindo-se às crianças separadas dos pais. Aos 16, se juntou ao serviço da juventude do Ministério do Trabalho. Dois anos depois, já integrava o Conselho de Estado, que tomaria decisões em caso de impossibilidade do rei. E, como as mulheres solteiras, abaixo de 30 anos, se alistou no Serviço Auxiliar Territorial, onde trabalhou em logística, dirigindo e reparando veículos.

Em meio a controvérsias, fez valer sua paixão de adolescência, casando-se, aos 21 anos, com o Príncipe Phillip. Quando foi coroada, aos 25 anos, já era mãe de dois filhos. Além de esposa e mãe, tornou-se rainha, papel que exerceu com maestria.

Sempre colocando a Coroa à frente das decisões familiares, viveu momentos difíceis ao não apoiar o casamento de sua única irmã, nem fazer de seu marido um rei consorte. E, muitas vezes, ao cumprir sua função diplomática, viajando para o exterior, ficou longos períodos distante dos filhos pequenos.

Sua postura firme e atitude gentil, somadas à dedicação ao país, deram sustentação à Monarquia.  E, em meio ao predomínio de homens no poder, se consolidou como uma liderança feminina inquestionável. Sua presença foi o pano de fundo da vida dos ingleses de várias gerações. Na efemeridade pós-moderna, Elizabeth II era a figura constante, confiável, admirada e, sobretudo, respeitada.

Mesmo discreta, reservada e tradicional, procurava se atualizar sobre o que ocorria no mundo, adaptando-se às transformações que ocorriam, velozmente. Recebeu um império, derivado do colonialismo, transformou-o na Comunidade de Nações. Nos anos 60, abriu o palácio para as câmeras documentarem o cotidiano da família real. Mais tarde, chegou a ter contas nas redes sociais.

No plano pessoal, sua família passou por uma sucessão de escândalos, ao longo do seu reinado. Se já é difícil conviver com dramas familiares, aos olhos do público e o escrutínio da mídia, os problemas ganham outra dimensão. E, não foram poucos os episódios. Desde as supostas traições no casamento até o recente escândalo envolvendo seu filho preferido, passando pela inédita ruptura de seu neto com a família real.

Após a morte do marido, no ano passado, teve um declínio na saúde. Mais debilitada, usava nas aparições públicas, a bengala de Phillip, grande demais para ela. Foi retratada, diversas vezes, segurando a mesma, suspensa, parecendo ser mais um apoio emocional à ausência do seu grande companheiro do que propriamente um auxílio para sua locomoção segura.

Em seus 69 discursos, na abertura do Parlamento britânico, usava a coroa do Estado Imperial. Neste ano, pela primeira vez, foi substituída pelo seu herdeiro, Charles. A joia emblemática, de 31,5 cm de altura e 1,06 kg de ouro e pedrarias, já estava pesada demais para ser equilibrada por um corpo já frágil.

Cumpriu seus deveres até o fim. Dois dias antes de sua morte, empossou a primeira-ministra recentemente eleita. Foi seu último compromisso real.

Ao trilhar uma intensa trajetória pública, sem a escolher, esmerou-se em resiliência e tenacidade, para se tornar única. Sua vida foi não só longa, mas plena e cheia de propósitos. Sua Majestade, a rainha, deixa uma herança de amor e serviço ao seu país. Elizabeth, a mulher, sai de cena como a espinha dorsal de uma família de 4 filhos, 8 netos e 12 bisnetos. Exemplo de longevidade ativa, envelheceu com naturalidade e dignidade. Com ou sem coroa foi, e continuará sendo, uma grande inspiração.

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