Tem pessoas que nos cativam simplesmente por serem quem são. Esse é o caso da Marinalva Maria. Um jeito próprio, todo único, só ela fala como ela. Genuína, autêntica, positiva, comprometida. E, por isso mesmo, muito querida.
Ela trabalha com Otávio Macedo, tendo acompanhado sua vida pessoal e profissional em diferentes momentos ao longo de 40 anos. É D. Maria que limpa sua clínica com esmero, e sabe todos os detalhes de lá. Chega cedo, sai na hora que terminar o serviço.
Aposentada e ativa, não conseguiu ficar em casa, pediu para retornar. Até pouco tempo atrás, cumpria com rigor seus dias de trabalho.
Num desses apertos da vida, D. Maria também viveu momentos difíceis. Há dois anos, perdeu, inesperadamente, sua única filha. Aos 57 anos, faleceu logo após uma mudança que seria seu maior sonho, deixando dois filhos adultos. Dizem que não há dor maior do que o ciclo da vida invertido. E, infelizmente, ela vivenciou essa experiência devastadora.
Cercada de carinho, D. Maria foi acomodando sua tristeza e do Sr. Antônio, seu marido. Eu a encaminhei para a psicóloga Vera Bifulco, para que pudesse elaborar melhor o seu luto. Porém, após poucos encontros ela me retornou dizendo que D. Maria não precisava de mais sessões, pois tinha em si os recursos internos para enfrentar a situação. E tem, sustentada pela sua fé inabalável.
Porém, do ponto de vista prático, era sua filha que organizava e acompanhava suas consultas e exames. E ela, sozinha, não tinha condições de fazê-lo com segurança, por não saberem ler e escrever. Celita, também da clínica, passou então a assumir essa função, marcando e seguindo seus compromissos de cuidado a saúde, incluindo uma cirurgia para catarata.
Até que, com uma anemia persistente, eu mesma passei a ir com D. Maria em consulta, discutir o encaminhamento do caso com colegas, até chegarmos ao diagnóstico de mieloma múltiplo. Aos 80 anos, mais um desafio se impunha à nossa querida. Mais médicos e mais exames começaram a fazer parte dos seus dias.
O tratamento
Logo no início desse ano D. Maria foi admitida para tratamento. Alguns eventos a levaram por um curto período à UTI, recebendo alta 36 dias depois. Nesse período, além de seu marido, muitos se revezaram para fazer companhia. Foram surgindo amigas próximas, sobrinhos e, eventualmente, os netos, que residem e trabalham no litoral.
Após a alta, uma nova rotina: medicamentos em casa e uma ida semanal à unidade de oncologia para administração de quimioterápico.
Porém, algo aparentemente simples ganha outra dimensão devido à baixa escolaridade. Como administrar o cronograma dos remédios essenciais à sua condição? Intercorrências, revisão de remédios, de dieta, tudo tinha de ser monitorado de perto.
O cuidado
Num esforço conjunto, concentramos um núcleo duro de cuidado: Celita, Letícia e eu. Me comunicava com os médicos, Letícia à frente das tratativas com o convênio, Celita na retaguarda com compras e alimentação. Ligávamos para ela três vezes ao dia, cada hora uma, e atualizávamos a situação para as outras num grupo de whatsapp. Assim, qualquer necessidade era detectada com mais facilidade e a intervenção seria mais precoce.
Letícia foi incansável com o convênio e, por morar próximo de D. Maria, conseguia ir até lá de vez em quando para supervisionar a medicação. E, usando criatividade, com cores e pontos estratégicos, foi contornando as dificuldades. Por exemplo, em uma decoração de Natal, ficava o “remédio da bota”, um antibiótico para ser usado de modo específico.
D. Maria é muito inteligente e perspicaz. Aprende com facilidade e, aos poucos, foi guardando todas as orientações. É uma força da natureza. Mas, muito franzina, comia pouco. Agora, já ganhou peso e começou a se alimentar melhor e a fazer uso de um suplemento para garantir os nutrientes necessários.
Nessa fase, cuidado é tudo. É o olhar atento sobre as pessoas e uma orientação em planos de atenção que faz a diferença na qualidade de vida.E, com ajuda, fica muito mais fácil.
O merecimento
Para ter o melhor cuidado possível, D. Maria conta com a generosidade do Otávio que mantém seu salário e convênio, dando a ela a segurança financeira que precisa. Na verdade, ela o acompanhou mais tempo que a própria mãe e, agora, recebe de volta essa atenção.
Ela segue em tratamento, sendo levada semanalmente à unidade oncológica pelo sobrinho. Há alguns meses ela esteve na clínica, e foi desse dia a foto do abraço que tinha prometido contar a história. Ah, que saudades estava de D. Maria... eu não a via desde a internação.
O melhor de tudo é que agora é ela quem se comunica conosco para dar notícias, garantir que está bem e que não precisamos nos preocupar. Se bem que ainda esconde uma coisa ou outra para "não atrapalhar"... Só sei que é uma alegria receber seus áudios cheios de positividade e gratidão. Eu ganho o dia com as mensagens carinhosas dela.
A sociedade do cuidado
Falamos tanto em desenvolver uma sociedade do cuidado mas, na prática, nem sempre acontece.
Estou contando essa história para lembrar que, às vezes, o apelo está ali, bem perto. E é preciso estar de coração aberto para atender esse chamado sutil. Às vezes, é tão pouco o que fazemos, mas tem impacto e reverbera de forma significativa na vida de alguém. Não se pode perder de vista essa perspectiva. Com amor, boa vontade e colaboração, se faz muito. E cuidamos uns dos outros.
D. Maria soube conquistar as pessoas, mantém amizade com elas e isso garante não só relacionamentos agetivos importantes, mas uma verdadeira rede de apoio, que se mostra efetiva quando acionada. Essa é uma lição preciosa. Assim como ela constantemente nos ensina pelo exemplo de resiliência e sabedoria, mantendo a fé e a esperança.
Para todos nós, fica aqui uma reflexão: que relações estamos construindo ao longo da vida para receber cuidados na idade avançada, se deles precisarmos?
Quem é quem?
Otávio Macedo é meu amigo, dermatologista, proprietário da Clínica Otávio Macedo & Associados, onde atualmente atendo meus pacientes. Celita Ruas é responsável pelo relacionamento e Letícia Lubisco é a gerente. E a D. Maria é a querida de todos nós, um verdadeiro patrimônio da clínica.
Adorei a história de D. MARIA
Amelinha, que bom que gostou! É realmente uma história e tanto. D. Maria está muito bem, e segue firme no tratamento! Obrigada.